Conversamos com o Eng. Florestal Eduardo Moré sobre como empreender no setor
Sociedade em processo de transformação reflete a alternância para novos tempos que exigem novas posturas, sobretudo quando é preciso enfrentar os desafios da economia e mercado de trabalho. No setor florestal não é diferente, o empreendedorismo tem sido um valioso caminho para profissionais dispostos a aplicar suas habilidades, conhecimentos e inovações em busca de soluções mercadológicas. Contudo, as instituições de ensino superior estão formando engenheiros (a) florestais efetivamente habilitados para empreender, ocupar cargos e postos importantes no mercado? Existem deficiências em educação empreendedora nos cursos de engenharia florestal? E o mercado? Conseguirá absorver novas gerações de engenheiros florestais recém-formados?
É sobre estas perguntas e outros assuntos voltados a “como empreender na engenharia florestal”, que conversaremos com o engenheiro florestal e co-fundador da Geplant Tecnologia Florestal, Eduardo Moré de Mattos. A entrevista foi concedida à Luciano França, coordenador de redação da Central Florestal, a qual acompanharemos a seguir:
Central Florestal – Saudações Eduardo. Muito obrigado pela sua entrevista e por aceitar nosso convite. Conte-nos um pouco sobre sua história, formação acadêmica e por que escolheu seguir a carreira como empreendedor no mercado florestal? O que o incentivou na escolha?
Eduardo Mattos – Olá Luciano e toda comunidade da “Central Florestal”, obrigado pelo convite, é um prazer poder contribuir. Sou natural de Olímpia, noroeste do estado de São Paulo, a região não possui tradição florestal e como muitos, encontrei a Engenharia Florestal através do guia do estudante optando pelo curso por ter afinidade com as disciplinas de biologia, física e matemática durante o ensino médio. Ingressei na ESALQ/USP em 2008, concluindo a graduação no final de 2012. Durante a graduação me relacionei com diversos projetos através de estágios e iniciações científicas, no último semestre, realizei estágio vivencial em uma grande empresa do setor de florestas plantadas e apesar de receber uma proposta de trabalho ao final do período, minha vivência junto à pesquisa me motivou a ingressar no Mestrado já em 2013. O mesmo ocorreu quando conclui o Mestrado em 2015. Apesar de ter oportunidades para continuar as atividades através do Doutorado, inclusive fora do país, decidi seguir um caminho que ressoava com minha personalidade e em um feliz momento do tempo, em que as pessoas certas compartilhavam os mesmos objetivos, fundamos a empresa em 2015.
Central Florestal – Qual seu atual ramo de atuação profissional? Conte-nos um pouco como é a dinâmica do dia a dia de um empreendedor florestal?
Eduardo Mattos – Sempre tive afinidade com a parte quantitativa, ao mesmo tempo sempre gostei do campo e da vivência prática. Durante os anos de academia me especializei em tópicos relacionados a silvicultura, manejo, biometria, ecofisiologia florestal, estatística e ciência de dados, sistemas de informação geográfica e sensoriamento remoto. Hoje com a Geplant atuo junto ao tive de desenvolvimento e na área comercial. Já o dia a dia, não é diferente de nenhum outro empreendedor brasileiro, é acordar e trabalhar.
Central Florestal – Qual foi o maior desafio encontrado até hoje na sua missão como empreendedor?
Eduardo Mattos – Assim como várias outras profissões, a Engenharia Florestal possui um viés predominantemente técnico em sua grade curricular. Com a empresa operando, um dos maiores desafios foi buscar conhecimento em áreas complementares ao negócio como gestão financeira, administrativa, fiscal, questões trabalhistas, contábeis, jurídicas e uma série de outros predicados.
Central Florestal – Qual o real potencial empreendedorismo no setor florestal do Brasil?
Eduardo Mattos – Eu acredito plenamente no setor florestal e na capacidade empreendedora e inovadora do Brasil. Vivemos em um momento mundial em que urge a necessidade de conscientização e ação para preservação de nossas florestas e recursos naturais. O uso de materiais renováveis, energia limpa e ações para mitigação dos impactos ambientais serão a regra. Tudo misturado a uma mudança radical do perfil do consumidor e das oportunidades com tecnologia, colocando o setor florestal em destaque em âmbito doméstico e internacional.
Central Florestal – Como o engenheiro (a) florestal recém-formado conseguirá investir na abertura de uma empresa/negócio, em tempos de incertezas na economia e frente aos desafios burocráticos para se empreender no Brasil? Como é possível superar estas barreiras?
Eduardo Mattos – É uma mudança de paradigma. Hoje a dinâmica econômica e financeira permite que alguém com absolutamente ZERO “dinheiros” no bolso (mas muita capacidade de execução) consiga levantar recursos para iniciar praticamente qualquer tipo de negócio. Não é sobre os desafios e barreiras, mas sim sobre persistência.
Central Florestal – O que o recém-formado engenheiro (a) florestal precisa entender sobre mercado, para evitar erros? Como atrair investimentos, prospectar negócios e se beneficiar dos créditos e/ou programas do governo?
Eduardo Mattos – Erros são parte do processo. Acredito que o recém-formado deveria, em primeiro lugar, eliminar a separação entre academia e mercado. Durante os anos de graduação e pós-graduação, mantive relações que fortalecem uma rede de conexões e eventualmente se transformam em oportunidades. Precisamos nos alertar para necessidade de aprendizado autodidata e busca constante por novos conhecimentos. Carrego um ensinamento de uma palestra ministrada por José Luiz Tejon que diz: “em um mundo onde temos acesso à informação o tempo todo, o segredo está em onde eu coloco o olho”.
Central Florestal – Eduardo, é uma realidade que há deficiência nas estruturas curriculares dos cursos de eng. florestal do Brasil sobre a temática da gestão de negócios, pessoas e empreedorismo. Qual seria o melhor modelo de ensino ou abordagem, na sua opinião, para preenchimento dessa lacuna?
Eduardo Mattos – As universidades já estão alertas para a necessidade de mudança na forma de ensino, porém em qualquer grande organização, mudanças estruturais são lentas e muitas vezes pragmáticas. Na minha opinião um dos maiores equívocos atuais é o sistema de avalição das instituições de ensino que privilegia a produção científica. Sinto falta dos professores com perfil de PROFESSORES e não de pesquisadores que dão aulas. Para mim é ingênuo pensar que a vanguarda científica e tecnológica estará nas universidades, por isso acredito que a grande oportunidade de transformação está em direcionar as ações de modo a fortalecer o ENSINO e principalmente, a EXTENSÃO. É atuar com ênfase na transferência e no compartilhamento do conhecimento gerado.
Central Florestal – Um grande desafio para muitos estudantes é o de vencer o medo do desemprego ou subemprego após formação acadêmica. Efetivamente, as universidades conseguem munir os estudantes das competências exigidas pelas empresas? E quais seriam os requisitos fundamentais que um recém-formado necessita para ingressar no mercado de trabalho rapidamente?
Eduardo Mattos – Muito desse medo seria eliminado (ou não) se a pergunta fosse revertida em: “Como gerar valor com o conjunto de habilidades que sou capaz de desenvolver?”. Por consequência, empregar-se seria uma das opções. Honestamente, penso que a responsabilidade em responder esta pergunta não é da universidade.
Central Florestal – Eduardo, “Trabalho é emprego?”
Eduardo Mattos – Definitivamente NÃO! Fico feliz em perguntar isto. Sempre que converso sobre questões relacionadas à profissão gosto de provocar esta reflexão. Minha sugestão é pensar em trabalho da mesma maneira que aprendemos no ensino médio. Trabalho é representado pelo produto entre força e deslocamento, ou seja, trabalhar é colocar sua força em movimento. Simples assim! Somente força ou somente movimento não gerará trabalho. Enquanto não assumirmos o protagonismo sobre como gerar valor através de nossa propriedade intelectual, permaneceremos frustrados a espera daquela vaga tão merecida ...
Enquanto não assumirmos o protagonismo sobre como gerar valor através de nossa propriedade intelectual, permaneceremos frustrados a espera daquela vaga tão merecida, destaca Eduardo Mattos. |
Central Florestal – Em 1995 havia 2.762 estudantes matriculados nos cursos de engenharia florestal no Brasil, em 2017 esse número passou para 13.791 matriculados, de acordo com SNIF/SFB. Você acha que o mercado conseguirá absorver a massa de profissionais que estão a formar?
Eduardo Mattos – O mercado sim, mas não necessariamente em atribuições para as quais se projeta a figura do Engenheiro Florestal. O guarda-chuva das Ciências Agrárias poderá abrigar muitos profissionais da Eng. Florestal. Há grandes oportunidades em áreas correlatas, como o leque das Engenharias e Ciências Biológicas. Sem contar que muitos podem se realizar profissionalmente fazendo algo completamente diferente do que imaginavam.
Central Florestal – Muito se fala ultimamente do papel do analista de dados ou Data Science e a importância desse profissional no mercado de trabalho, como o engenheiro (a) florestal pode se inserir nesse “novo mercado” e catalisar novas possibilidades de emprego?
Eduardo Mattos – Gosto de comparar a ciência de dados (ou Data Science) ao aprendizado do inglês. Enquanto estudante, inglês era uma habilidade desejável que gradativamente tomou caráter obrigatório. O mesmo acontece com a ciência de dados. É algo que atualmente é desejável em um profissional e gradativamente passará a ser reconhecida como habilidade obrigatória. Na minha visão, a transformação será tamanha, que não tardaremos a ver estas disciplinas sendo introduzidas cada vez mais cedo no ciclo estudantil básico.
Central Florestal – Outro importante e recorrente tema, atualmente, é o conceito das Startups na prospecção de ideias, produtos e soluções inovadores para vários setores da sociedade. Qual sua opinião sobre as Startups? E porque, até então, existem poucas no setor florestal, sobretudo em comparação ao setor agrícola?
Eduardo Mattos – As Startups ocupam uma lacuna muito importante na nova economia mundial. Elas propõem uma estrutura flexível e ágil, capaz de iterar rapidamente com o mercado/sociedade para o desenvolvimento de produtos e soluções. É importante ressaltar que o “pensamento Startup” se aplica a muitos processos. Podendo ser explorado para acelerar, modernizar e impulsionar os mais diversos tipos de organização. Já a disparidade entre empresas do setor agrícola e florestal se dá pelo próprio tamanho e diversidade do mercado agrícola em relação ao mercado florestal. Outro ponto é a própria maturação do ambiente de negócios e do momento econômico de cada segmento nas cadeias de valor. Além do mais, esta separação pode não fazer sentido para muitas aplicações e veremos cada vez mais um intercâmbio entre as áreas. Pensem nas aplicações com uso de sensoriamento remoto por exemplo.
Central Florestal – Eduardo, a nossa última pergunta. Qual recado, mensagem e recomendações você deixa aos aspirantes a empreendedores na engenharia florestal? Como resgatar a capacidade do estudante de sonhar?
Eduardo Mattos – Quero agradecer mais uma vez à Central Florestal e já que é para sonhar, para me despedir deixo como mensagem um poema de um dos heterônimos de Fernando Pessoa:
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe o quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Ricardo Reis (1933)
Eduardo Moré de Mattos
Engenheiro florestal formado pela Universidade de São Paulo - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (2012) com mestrado (2015) em recursos florestais pela mesma instituição com intercâmbio junto à North Carolina State University (NCSU). Atualmente cursando o MBA (2019-2020) em Big Data Analytics pela Fundação Instituto de Administração (FIA Business School). É co-fundador da Geplant Tecnologia Florestal (2015) e pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) desenvolvendo projetos de inovação. Sua experiência abrange tópicos relacionados à Data Science e Análises estatísticas; Ecofisiologia Florestal; Inventário Florestal e Biometria; Agrometeorologia; Sensoriamento remoto e SIG. Contato: eduardo@geplant.com.br
Excelente entrevista! Um toque de otimismo e orientações importantes pra quem quer empreender na eng. florestal. Parabens ao entrevistador e ao entrevistado.
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